Grampo autorizado judicialmente revela desembargador pedindo “vaga fantasma” para esposa, filho e so
Ótimos cargos para familiares
Em interceptações telefônicas da Polícia Federal, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, 53 de idade, do TJ de Minas Gerais, propõe que a própria esposa e o filho do casal atuem como funcionários públicos “fantasmas”, sem cumprir as cargas horárias exigidas para os cargos. O magistrado sugere até um esquema de “rachadinha” para dividir salário a ser pago pelo erário à sogra. O rolo não é recente – já tem mais de três anos – mas só ontem (2) veio a público.
A transcrição dos áudios, revelada pela Folha de S. Paulo, consta de investigação iniciada em 2015. Nela, o foco são supostos esquemas de corrupção e troca de favores envolvendo magistrados do tribunal mineiro – que é o segundo maior do país. “A matéria jornalística assinada pelo jornalista Fábio Fabrini revela detalhes que surpreendem” – propagou a “rádio-corredor” da OAB mineira, ontem mesmo.
Baseada nas gravações – obtidas por meio de grampos telefônicos realizados ao longo de quatro meses, mediante autorização judicial – a PF sustenta, nas conclusões do inquérito, que “o desembargador negociou com políticos e outros agentes do Estado empregos para os familiares”.
Segundo o jornal paulista, atualmente “a sequência da investigação tramita em sigilo no STJ”. O desembargador Alexandre Victor é oriundo do Ministério Público e ocupa vaga destinada ao quinto constitucional.
“Bundona na janela”
Integrante da 5ª Câmara Criminal do TJ-MG e também ex-integrante do TRE mineiro, o desembargador Alexandre Victor articula, nos diálogos telefônicos, um revezamento de parentes em cargos públicos. Inicialmente, ele trata da nomeação do filho, Guilherme Souza Victor de Carvalho, para um cargo comissionado na Câmara Municipal de Belo Horizonte, em substituição à mulher, Andreza Campos Victor de Carvalho, que ocupava esse mesmo posto e estava de partida para uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
O filho (Guilherme) e a esposa do desembargador (Andreza) são advogados.
A PF concluiu que “o objetivo do desembargador era aumentar os rendimentos familiares”. Em contrapartida, haveria a abertura de espaço para que políticos pedissem favores na corte. Além disso, o desembargador Alexandre teria apoiado a então advogada Alice de Souza Birchal para integrar a lista tríplice que disputou, em 2015, a nomeação para uma vaga no TJ-MG, reservada ao quinto constitucional. A nomeação de Alice também teria sido do interesse de políticos.
A desembargadora Alice Birchal efetivamente tomou posse em dezembro de 2015 no TJ mineiro, sendo classificada na 7ª Câmara Cível.
Na Assembleia Legislativa mineira a negociação para a obtenção dos empregos foi feita com o então procurador-geral, Augusto Mário Menezes Paulino, que – numa das ligações grampeadas - alerta o desembargador sobre a possibilidade de a nomeação configurar nepotismo cruzado.
“Você acha que vale a pena arriscar?” - questiona o magistrado.
“Acho que não, viu? Fica com uma bundona na janela danada”, responde o então procurador-geral.
Apesar do risco avaliado, os planos seguiram adiante e o desembargador emplacou a mulher na Assembleia depois de, segundo as investigações, tratar do assunto em uma reunião com o então presidente do Legislativo mineiro, Adalclever Lopes (MDB).
Sem carga horária
Nos diálogos, o desembargador Alexandre Victor indica que os seus parentes não cumpririam as cargas horárias.
O filho do desembargador foi nomeado em dezembro de 2015, com salário de R$ 9.300, e exerceu o cargo de “coordenador de Intermediação Operacional”, substituindo Andreza. A carga horária dessa função era de oito horas por dia, de segunda a sexta. Ele era dispensado de bater ponto.
Também em 11 de novembro, o desembargador avisou a esposa que “já está certa a tua nomeação na Assembleia, com salário líquido de R$ 8 mil”. Segundo a Folha de SP, no mesmo diálogo telefônico o marido avisa a cônjuge que “é uma vantagem a falta de fiscalização de promotores sobre o cumprimento da jornada de trabalho”. Arremata orientando: “Você vai lá duas, três vezes por semana.”
O desembargador ainda comenta que o filho estava reticente em assumir a vaga, pois já tinha outro emprego em escritório privado de advocacia. Diante disso, propõe como alternativa escalar a sogra, sem curso superior, para o cargo. “Se o Guilherme não quiser, tem que ver alguém. Estava pensando na sua mãe, sabe? Aí, ela ficava com ´trêszinho´ [R$ 3.000, segundo a Polícia Federal] e você também com ´trêszinho´".
Andreza foi nomeada em 16 de novembro de 2015 como assessora da Presidência da Assembleia, com carga de seis horas diárias de trabalho, e permaneceu no cargo até setembro de 2017. O controle de frequência, segundo a Casa, “cabe a cada gabinete”.
Muito mais a apurar
A PF sustenta haver indícios de que o desembargador praticou corrupção passiva ao, supostamente, aceitar cargos públicos para os parentes. Num parecer de 2017, no entanto, o então vice-procurador geral, Nicolao Dino, discordou dessa imputação, justificando que as práticas caracterizariam crimes de menor potencial ofensivo, como advocacia administrativa.
O jornal paulista não conseguiu apurar se houve decisão a esse respeito, pois o caso corre em sigilo. Conforme uma pessoa com acesso ao caso, o inquérito está em curso, com diligências em andamento.
Contraponto
A Folha consultou o desembargador, a mulher e o filho por meio da assessoria de imprensa do TJ-MG. Em nota, o tribunal afirmou que o desembargador “nunca pediu” ao advogado Kalid “a indicação de clientes em troca de favores” na corte.
O TJ sustenta que o filho do magistrado desempenhou funções num escritório de advocacia “por seus próprios méritos, hoje atuando em seu próprio escritório”.
O tribunal informou que Carvalho nunca negociou a nomeação do filho com o procurador da Câmara de BH, que o teria convidado espontaneamente para cargo na Casa.
Segundo o comunicado, Andreza Carvalho “efetivamente trabalhou na Assembleia de Minas e sua nomeação ocorreu dentro dos critérios legais, sem qualquer ilicitude”.
“Em relação ao cumprimento do horário de trabalho, tanto Guilherme, na Câmara, quanto Andreza, na Assembleia, o fizeram perfeitamente. Inexiste o chamado nepotismo cruzado, pois não houve qualquer contratação no Judiciário mineiro de pessoa indicada pela Câmara ou pela Assembleia”, acrescentou o TJ.
Mário Paulino disse não se lembrar de conversas com o desembargador. “Não houve nenhum pedido dele e nem contrapartida [no tribunal”, declarou. Ele explicou que Guilherme era dispensado do ponto na Câmara, “mas trabalhava”.
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